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terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

REFLEXÕES PRELIMINARES SOBRE O ENSINAR E O APRENDER FILOSOFIA

Prof. Wanderley J. Ferreira Jr.


 

Diante da realidade caótica que nos atropela e desafia a cada momento, a existência de professores e alunos de Filosofia tem de ser questionada. Que relação professores e alunos mantêm com a Filosofia? Que papel desmistificador caberia à Filosofia diante das ideologias que teimam em passar uma visão homogênea, mascarando as contradições reais de nossa realidade? Que tarefa caberia a nós, professores e alunos de filosofia, diante da revolução tecno-científica de nossa época e de suas consequências muitas vezes funestas? Infelizmente, em nosso país a Filosofia se reduz às figuras de professores e alunos de Filosofia. O professor como autoridade que tem a posse do saber e o aluno como o passivo, que vê no professor a encarnação do saber, quando não um charlatão. Por que a Filosofia é tão marginalizada? De quem seria a culpa, da Filosofia ou de nosso século pragmático que vê tudo pela ótica da utilidade e do cálculo? Vivemos em um século que se curva sob o peso de seus próprios valores decadentes. Em um tal tempo não há lugar para a Filosofia, pois ela é realmente o que há de mais inútil para uma época que confunde verdade e utilidade e toma como paradigma[modelo] do conhecimento correto e eficaz a ciência. Sabemos que a Filosofia jamais será uma atividade totalmente neutra, descomprometida com a realidade, ou simplesmente uma mera ocupação de pessoas excêntricas e ociosas. Esse compromisso da Filosofia com os problemas de seu tempo, não deve, entretanto, comprometer ou desvirtuar a verdadeira vocação da Filosofia em romper os limites de uma visão de mundo qualquer, legitimando-se como uma busca radical pela verdade constituída no diálogo.

O Filósofo alemão Martin Heidegger(1889-1976) afirma que a Filosofia encontra-se necessariamente fora de seu tempo, ou porque projeta-se para muito além da atualidade, ou porque remete-nos para um passado-presente(os gregos) que inaugurou nossa forma de pensar, dizer e sentir enquanto povo ocidental. A Filosofia seria, assim, uma forma de saber que não se deixa moldar pelo tempo, mas submete o tempo à sua própria medida, tornando presente o que ainda não é. Também não devemos julgar a Filosofia pelos critérios de eficiência e produtividade utilizados para julgar a importância de determinada teoria científica. A Filosofia é realmente algo inútil, ela não serve para nada. Mas, justamente por ser algo inútil a Filosofia toca-nos de modo essencial, convocando-nos para assumi-la como missão.

Nietzsche ensina-nos que o filósofo não é somente um pensador, mas um homem efetivo. Quem interpõe entre si e as coisas, conceitos, opiniões, livros, quem nasce para a história, nunca verá as coisas pela primeira vez, nunca sentirá aquela admiratio, aquele espantamento (maravilhavemento) diante do mundo que impele o autêntico filósofo. Jamais podemos confundir um erudito com um filósofo. Os eruditos não passam de opiniões alheias. São homens de segunda mão que se contentam com a atitude preguiçosa de apenas comentar os filósofos. Como grande parte dos locais, onde se ensina filosofia, são escolas e universidades públicas, algumas questões podem ser colocadas: como se dá o processo de ensino-aprendizagem em Filosofia no interior de uma instituição estatal? Como poderemos fazer da Filosofia uma busca radical pela verdade, se ela se limita a figura de professores e alunos de filosofia? Nietzsche alerta-nos de que talvez devêssemos pensar "... numa cabeça juvenil, sem muita experiência de vida, onde são colocados cinquenta sistemas de palavras e outra tanto de criticas sobre esses sistemas, tudo junto e misturado. Que aridez, que selvageria, quando se trata de uma educação para a filosofia. Muitos alunos de filosofia, devem suspirar aliviados: Graças a Deus, não sou filósofo. E se este suspiro profundo fosse justamente o propósito do Estado, e a Educação para a Filosofia em vez de nos conduzir a ela, servisse apenas para nos afastar dela. "Pode propriamente um filósofo, com boa consciência, comprometer-se a ter diariamente algo para ensinar? Ele não teria de dar aparência de saber mais do que realmente sabe? Nesse caso, o filósofo despoja-se de sua mais esplêndida liberdade, que é seguir seu gênio para onde este o chama" ."(Nietzsche, Considerações Extemporânea - Schopenhauer como Educador). Não se pode ensinar a pensar em horas determinadas, nos limites de uma sala de aula. Podemos objetar que: não somos filósofos, mas apenas professores e alunos de filosofia, e um professor não precisa ser necessariamente um pensador, pois ele seria antes de tudo um conhecedor erudito de alguns dos pensadores passados. Eis, quem sabe, a capitulação mais perigosa da Filosofia frente ao que é estabelecido e tido como normal - quando ela se compromete a fazer apenas o papel de erudição. (Marilena Chauí).

Um professor de filosofia deve sentir-se bastante constrangido quando ele se depara com aqueles momentos em que o silêncio é a forma mais originária de dizer. Quantas e quantas vezes não matamos o pensar e mascaramos as condições originárias de determinado pensamento, expondo-o como um corpo de idéias fixas e estabelecidas. O aluno acaba se perdendo na enganosa homogeneidade dos sistemas, sem compreender as reais motivações, adesões e recusas dos filósofos estudados. Quantos de nós já não caímos na tentação de reduzir a Filosofia às belas citações. Re-memorando o que disse a professora Marilena Chauí, quando se destrói a arte de ensinar e aprender, quando se abole o trabalho e o prazer do pensamento pelo aquisição de conhecimentos; quando se anula o ponto de emergência da inquietação filosófica, o professor e o estudante de filosofia
perdem o solo no qual a filosofia tem sentido: o enigma do visível e o mistério do invisível. Apoiados nas certezas curriculares, o ensino da Filosofia converte-se em pacificação das consciências, sonolência do desejo e purificação ascética do prazer. Morre o amor à sabedoria. (Marilena Chauí, 1991). Mas o que estaria por trás da queixa de certos alunos, que dizem: Não consigo compreender o que diz o professor de filosofia, nem muito menos compreender os textos dos filósofos. Que importância teria tais textos para nosso tempo, para nossa realidade? O fato é que a maioria de nossos alunos, e muitos de nós professores, não mantêm uma relação significativa com a linguagem. Não sabemos mais ouvir, ler, escrever e falar. Usamos as palavras como se realmente fossem cápsulas que comportam significados que devem remeter às coisas existentes (a um referente). E se estamos impedidos de manter uma relação essencial com a linguagem, também não conseguiremos pensar, e sem pensar perderemos inevitavelmente contato com o próprio real, que certamente não se reduz aos dados imediatos da experiência sensível. A instrumentalização da linguagem deve ser denunciada e revertida já durante o ensino fundamental e no 2o. Grau, para que não cheguem às nossas universidades essa massa de indivíduos que foram roubados em seu direito de pensar e dizer com significação sua própria realidade. Hoje, sugere-se oficialmente a Filosofia seja disciplina obrigatória no 2o Grau. Algumas universidades já incluem questões de Filosofia em seus vestibulares. Pelo nível das questões, exige-se do aluno apenas um conhecimento superficial de alguns aspectos gerais de algumas doutrinas filosóficas, consideradas mais fundamentais. É óbvio que para muitos professores de filosofia as perspectivas são de uma expansão do campo de trabalho para os cursinhos pré-vestibulares. Discute-se muito planos de ensino, conteúdos a serem administrados, e pouco se fala na qualificação desses professores de Filosofia e nos critérios que nortearão a seleção do conteúdo programático.

O que se costuma solicitar à Filosofia, é que ilumine o sentido teórico e prático daquilo que pensamos e fazemos, que nos leve a compreender a origem de idéias e valores que respeitamos ou que odiamos, que nos esclareça quanto a origem da obediência a certas imposições e quanto ao desejo de transgredi-las, enfim, que nos diga alguma coisa sobre nós mesmos, que nos ajude a compreender como, por que, para quem, por quem, contra quem ou contra que as idéias e os valores foram elaborados...(Chauí, Refazendo a Memória)

Como professores de Filosofia, seja no 2o. Grau ou nas universidades, nossa tarefa é ensinar o aluno a pensar e a falar com significação, numa palavra: Filosofar. Não podemos esquecer que um autêntico ato de ensinar não se esgota na mera transmissão de conhecimentos já adquiridos. Talvez o que de maior temos a ensinar aos nossos alunos seja o aprender. O grande mestre não ensina nada além do aprender, tornando dis-posto (aberto) o discípulo para novos conhecimentos.

É bem sabido que ensinar é ainda mais difícil que aprender. Mas raramente se pensa nisso. Por que ensinar é mais difícil que aprender? Não porque o mestre deva possuir um acervo de conhecimentos e os ter sempre a disposição. Ensinar é mais difícil que aprender, porque ensinar significa DEIXAR APRENDER. Aquele que verdadeiramente ensina não faz aprender nenhuma outra coisa que não seja o APRENDER...No relacionamento do mestre que ensina e dos alunos que aprendem, quando o relacionamento é verdadeiro, jamais entram em jogo a autoridade de quem sabe muito... Por causa disso é ainda uma grandeza ser mestre - que é bem outra coisa do que ser um professor célebre. Se hoje, onde tudo é medido sobre o que é baixo e conforme o que baixo - ninguém mais deseja ser mestre, isso é devido sem dúvida ao que esta grande coisa implica...(Martin Heidegger. Cf. FARIAS, V. 1989.)

O fato é que a inserção hoje da Filosofia como disciplina obrigatória no Ensino Médio constitui-se numa exigência do próprio processo educativo autêntico em seu combate a qualquer forma de alienação e opressão nas principais esferas de atuação humana – no trabalho, na política ou na criação simbólico-cultural. Essa busca da formação integral do indivíduo em suas relações de produção, de poder e criações simbólicas, não poderia dispensar ou prescindir do trabalho da reflexão filosófica, que poderá ser demonstrada, caso o professor convide os alunos para refazerem o percurso da indagação filosófica, apontando a forma própria [o estilo] que cada filósofo tem para colocar suas questões e elaborar suas respostas. É a forma peculiar que a Filosofia tem de abordar as questões sob o ponto de vista da radicalidade, do rigor, da critica e da totalidade, que de ser aprendida por todo aquele que quer ser um eterno aprendiz na Filosofia. Esse aprendizado significa uma transformação da experiência imediatamente vivida e contextualizada em experiência compreendida e interpretada/refletida, enfim, em experiência do pensamento que supera os limites da experiência imediata testemunhada por nossas consciências dogmáticas e ingênuas, alcançando um nível de reflexão que nos permite, além de compreender nosso contexto, encontrar a gênese de seu sentido e o fundamento do que pensamos, queremos, fazemos e falamos. O fato é que a Filosofia pode ajudar-nos a superar os preconceitos e o caráter fragmentário de nossas experiências imediatas, revelando-nos a densidade de sentido que elas ocultam. A Filosofia, portanto, tem um caráter desmistificador diante das ideologias, instituições e formas de pensar que teimam em passar uma visão fragmentada da realidade mediante um discurso dogmático, lacunar e homogêneo. Nesse sentido, a questão da contextualização dos conteúdos de filosofia torna-se problemática na medida em que a ela exige que ultrapassemos os contextos e os limites da experiência imediata, na busca de sua gênese e sentido. Isso exigiria uma desconstrução de nossas verdades, valores e hábitos cotidianos pelo exercício constante da crítica. O que impede, também, que a filosofia seja julgada por sua utilidade ou eficiência em oferecer respostas imediatas para problemas de ordem prática. Isso não significa que a filosofia se aliena num mundo de signos e conceitos abstratos e nada diz sobre nossa realidade mais imediata, o mundo da vida.