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Um homem simplesmente aí, jogado no rio do devir a procura de si mesmo. Um campo de batalha... uma corda sobre o abismo, um ser no mundo corroido pela angustia da certerza da própria morte, mas que faz dessa consciencia da finitude um motivo para se responsabilizar mais por cada uma de suas escolhas.http://lattes.cnpq.br/9298867655795257

quarta-feira, 21 de outubro de 2015




É o conhecimento perigoso?
Fronteiras entre ciência, tecnologia e ética
Existe um traço perturbador de nossa época – a dissociação de fato/ valor, ser/dever ser, ou física/ética, conhecimento da realidade/atribuição de sentido à vida. As ciências descrevem e conhecem o mundo tal qual é. Calam sobre as angústias humanas. Homem muitas vezes é relegado a condição de um acidente no cosmo ou um ruído que deve ser banido para a otimização da performance do sistema. É como se o homem tivesse despertado de seu sonho milenar, e descoberto que agora " como um cigano, está à margem do Universo onde deve viver. Um Universo surdo à sua música, indiferente às suas esperanças, como a seus sofrimentos ou a seus crimes". Ele sabe que "está sozinho na imensidão indiferente do Universo, de onde emergiu por acaso. (Monod: 1989, p. 190-8). A cosmologia medieval (aristotélico-cristã) propunha um cosmo fechado, finito, hierarquicamente ordenado e qualitativamente determinado, no qual a terra mãe no centro servia de palco para a salvação ou danação humana. O fato é que havia uma coincidência plena de conhecimento da realidade e compreensão do "sentido" da nossa vida. A  metafísica tradicional por mais de dois mil anos postulou  a separação entre mundo terrestre e mundo celeste, o reino do efêmero, do nascer e do perecer opunha-se às esferas perfeitas, ao  reino do divino, do incorruptível, do eterno, do verdadeiro Ser e da verdade.
A revolução copernicana [Heliocêntrica] destrui o  cosmo finito e fechado, revelando  um universo de proporções ilimitadas, aberto que se confunde com o espaço puro e homogêneo da geometria. Um espaço puro redutível ao cálculo onde não há lugar privilegiados, apenas extensão submetida ao movimento.  A Terra já não é mais o centro de um Cosmo finito e fechado, doravante ela é um minúsculo planeta num sistema solar situado numa galáxia qualquer em meio a bilhões de galáxias. Impossível explicar tal realidade cósmica em função do homem, cuja existência ocupa um tempo insignificante no horizonte da idade do Universo [15 bilhões de anos], Estranhamente, quanto mais conhecemos o macro e o micro cosmo pela mediação da técnica e da ciência, mas nos sentimos estranhos e sozinhos diante dessa imensidão indiferente do universo. A revolução copernicana que desalojou a terra do centro do universo exigiu que se repensasse o novo estatuto do homem enquanto sujeito do conhecimento,  ético e político, representando um duro golpe no narcisismo humano. Emerge dessa necessidade de se estabelecer um novo fundamento para o conhecimento humano, o todo poderoso sujeito pensante cartesiano, que enclausurado na certeza de sua auto evidencia para si mesmo proclama que nada, absolutamente nada pode permanecer oculto a uma razão disciplinada pelo método.
A Cultura "pós-moderna" da sociedade pós-industrial, a sociedade do conhecimento e da informação, é fruto tardio da deposição do cogito cartesiano operada por Nietzsche, Marx, Freud e Heidegger. Na cultura pós moderna, o "real" - "fatos" que as ciências buscam conhecer não passam de "construções intelectuais", discurso ou "narrativa". A ciência é ideológica, é instrumento de dominação de uma civilização, "eurocêntrica", "opressora", "machista", cartesiana e cristã etc. Em meio a emergência dos  multiculturalismos, estudos culturais, leituras de "gênero", ressentimentos contra as ciências, busca-se o  intuitivo, o mágico, o místico, o irracional, o marginal. Até mesmo nas universidades existe uma certa condenação rasteira da ciência e da tecnologia, que realmente não chega a colocar em questão a própria essência da técnica. Muitas vezes a racionalidade é condenada de forma leviana como desencantadora do mundo.  Essa filosofia de salão que se extasia no relativismo cultural blasfema que a ciência não tem mais direito em afirmar a verdade do que o mito tribal. A ciência não passaria assim de uma espécie de mitologia, crença, superstição adotada por  uma determinada tribo – a do urbanóide ocidental moderno refém de seus medos e inseguranças.
A partir dos anos 40 do século passado, a Escola de Frankfurt  se encarregaria de fomentar, por trás de sua crítica ao capitalismo, uma das mais persistentes e influentes críticas à racionalidade científica, com profundas repercussões nos movimentos estudantis da Europa da década de 60. "A física é burguesa", "a ciência é o capital": estas inscrições, nos muros da Paris de 68, resumiam, na verdade, os temas de Adorno, Horkheimer e, principalmente, Herbert Marcuse (1898-1979). Para Marcuse, ciência e capitalismo são uma só coisa. Em outras palavras, ciência (conhecimento racional e objetivo) e ideologia (concepção de mundo) se confundem. Desaparece o valor objetivo do conhecimento científico. A crítica da "razão instrumental" – ou "razão unidimensional", ou "razão técnica" – encerra, no fundo, uma crítica da própria Civilização ocidental tecnico-científica. Sua polêmica era contra a objetividade, com a "submissão" do homem às coisas. Independentemente das épocas históricas, o trabalho sempre foi, para ele, "trabalho alienado" (o marxismo marcusiano : objetivação" = "alienação. Eliminar a "alienação" é eliminar a própria objetividade. Essa "superação", portanto, não pode ser buscada no trabalho, mas... no jogo. É somente no jogo que o homem "não se conforma aos objetos, à sua regularidade".
Ciência e capital eram uma só coisa: os males que o marxismo havia denunciado no capitalismo eram descarregados por Marcuse (e, diga-se, também por Adorno e Horkheimer) "nos ombros de Galilei e Bacon". O desastre havia começado já com a revolução científica do século XVII.
O alvo, agora, é o vertiginoso processo de informatização. Lado a lado com a chamada III revolução industrial, crescem também a tecnofobia e a rejeição das tecnologias. Recorde-se que o manifesto do terrorista Unabomber, publicado em setembro de 1995 pelo Washington Post, elege como inimiga a "sociedade industrial" (curiosamente, um conceito marcusiano), que ele considera "um desastre para a espécie humana" e contra a qual propõe uma "revolução": "a única saída" – pontifica – "é dispensar o sistema tecnológico inteiro". Seu temor são as "máquinas inteligentes", que acabarão por decidir no lugar da humanidade. "Quando chegar a esse estágio, as máquinas estarão, efetivamente, no controle. As pessoas não poderão simplesmente desligar as máquinas porque elas estarão tão dependentes delas que desligá-las equivaleria a cometer suicídio".
É o conhecimento perigoso?
A idéia de que o conhecimento é perigoso está arraigada na nossa cultura. Já Adão e Eva, segundo a Bíblia, foram proibidos de alimentar-se dos frutos da Árvore do Conhecimento. Prometeu foi punido por ter dado o saber ao mundo. Na literatura, o Dr. Frankenstein é a imagem do cientista, pintado como um arrogante desalmado que de tudo é capaz para atingir seus objetivos, quaisquer que sejam as conseqüências. No cinema, é o gênio louco que produz monstros e catástrofes. Imoral manipulador da Natureza, o cientista também foi responsabilizado pela construção da bomba atômica e, agora, é visto com suspeita em virtude da engenharia genética. Jornais e revistas publicam com freqüência textos alarmistas que advertem sobre os "perigos" da pesquisa genética (lembre-se a histeria sobre a clonagem), do projeto do genoma humano e dos transgênicos. O horror, porém, convive com o fascínio, já que se espera da ciência a solução para a cura do câncer e da Aids, entre outras doenças. O fato é que existe uma separação de fatos e valores,  de ciência e ética. Como processo de conhecimento racional e objetivo, a ciência não é guiada por valores. Ela apenas nos mostra como o mundo é. A ciência descreve, a ética prescreve; a ciência explica, a ética avalia. Ciência, portanto, não produz ética. Das proposições descritivas não é possível deduzir asserções prescritivas, como bem viu o filósofo Hume (1711-1776). A separação de fatos e valores — conhecida justamente como Lei de Hume — impede que do "é "derive o "deve", que do "ser" derive o "dever ser". Isso não significa que o  conhecimento científico seja  perigoso. O conhecimento é um bem em si mesmo. Para o ser humano, conhecer é tão vital quanto alimentar-se, defender-se ou amar. Já a tecnologia, contrariamente, pode ser tanto uma dádiva quanto uma maldição. Há processos tecnológicos intrinsecamente perversos, como a fabricação de instrumentos de tortura, armas bacteriológicas, etc.
Mas quais são, afinal, as responsabilidades e obrigações morais dos cientistas. Posto que os cientistas detêm conhecimento especializado sobre como é e como funciona o mundo, e isto nem sempre é acessível aos outros, é obrigação deles tornar públicas as implicações sociais de seu trabalho e suas aplicações tecnológicas" (cf. artigo de Wolpert na revista Nature, 398 (1999), p. 281-82; e Wolpert: 1996, p. 185 e segs.). Se ciência e ética, como vimos, são distintas, nem por isso o cientista está isento de deveres éticos. Temos que lutar pela  necessidade de o público ser informado tanto sobre a ciência quanto sobre suas aplicações.
Referencias:

Basalla, George. The history of tecnology. Cambridge, Cambridge University Press, 8ª ed., 1999.
Bunge, Mario. Epistemologia. São Paulo, T. A. Queiroz, 2ª, 1987.
______. La ciencia. Su método e su filosofía. Buenos Aires, Sudamericana, 3ª, 1998.
Dawkins, Richard. O rio que saía do Éden. Rio de Janeiro, Rocco, 1996.
Marcuse, Herbert. O homem unidimensional. A ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro, Zahar, 5ª ed., 1979.
_____. Razão e revolução. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2ª ed., 1978.
Monod, Jacques. O acaso e a necessidade. Ensaio sobre a filosofia natural da biologia moderna. Petrópolis, Vozes, 4ª ed., 1989.