Wanderley Jr – Fe/UFG
Filosofia
Há um descompasso entre as inúmeras
teorias e propostas de práticas e estratégias de ensino e aprendizagem, as leis
e políticas educacionais para tentar manter o jovem na escola e a realidade objetiva, o mundo da vida, da economia, cultura, sociedade, o mundo do trabalho e a família
imersos em uma realidade na qual a única permanência é a impermanência de todas
as coias.
Em tal contexto pergunta-se
se ainda é possível realizar propostas educacionais
com conteúdos válidos para toda vida e que visam o respeito, a reciprocidade, a
colaboração diante de uma realidade que acirra a competição, reduzindo-nos à
condição de meros consumidores?
Novos agenciamentos dos
saberes diluem os limites entre as especializações consolidando uma visão
holística, sistêmica e complexa do
conhecimento e da própria realidade. Veremos que tais mudanças repercutem em
todas as dimensões da existência humana, na esfera da produção/trabalho, na
criação simbólica(cultura) e nas relações de poder, colocando novas exigências,
desafios e alternativas à escola da Educação básica que pretendemos analisar
aqui tomando como referências básicas algumas reflexões do sociólogo Sygmund
Baumann e a BNCC para Ensino Médio(3a versão recém – Mec).
[...] A modernidade “sólida” era verdadeiramente a era
dos princípios duradouros e concernia, sobretudo, aos princípios duráveis que
eram conduzidos e vigiados com grande atenção. Na fase “líquida” da
modernidade, a demanda por funções de gestão convencionais se exaure
rapidamente. A dominação pode ser obtida e garantida com um dispêndio de
energia, tempo e dinheiro muito menor: com a ameaça do descompromisso, ou da
recusa do compromisso, mais do que com um controle ou uma vigilância
inoportunos. ... Agora, cabe aos subordinados comportar-se de modo a obter
consensos perante os chefes e levá-los a “adquirir” seus serviços e seus produtos
criados individualmente. “Seguir a rotina” não seria suficiente para alcançar
esse objetivo. (Zygmunt Bauman Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 137, maio/ago.
2009)
Nenhuma reviravolta da história humana pôs os educadores
diante de desafios comparáveis a esses decisivos de nossos dias. Simplesmente
não havíamos estado até agora em situação semelhante. A arte de viver em um
mundo ultrassaturado de informações ainda deve ser aprendida, assim como a arte
ainda mais difícil de educar o ser humano neste novo modo de viver. (Zygmunt
Bauman Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 137, maio/ago. 2009)
É importante observar ainda que
na modernidade líquida as instituições de ensino e aprendizagem são postas em dúvida. Ocorre, por exemplo, a perda do monopólio das instituições
escolares como tutoras e legitimadoras do conhecimento para ambientes virtuais
de aprendizagem e software que mudam o espaço tempo dos processos de
ensino-aprendizagem e a forma como o conhecimento é produzido, armazenado e
distribuído. Observa-se nas pedagogias do aprender a aprender subjacentes à
chamada sociedade de conhecimento um certo deslocamento de ênfase do “ensino” à
“aprendizagem”. Deslocamento já verificado em propostas pedagógicas desde
Comênio como a escola nova.
As teorias pedagógicas e
políticas educacionais devem parar de fazer de seus conteúdos, estratégias de
ensino mísseis balísticos que podem ser controlados e direcionados a alvos
imóveis e conhecidos. A sociedade atual exige “um míssel inteligente, que possa
modificar a sua direção em vôo com base na evolução dos eventos, que possa
individualizar imediatamente os movimentos dos alvos, aprender tudo o que for
necessário sobre a direção e a velocidade real do alvo e identificar, a partir
das informações recolhidas, o ponto para o qual direcionar a sua trajetória.” (Zygmunt
Bauman Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 137, maio/ago. 2009) . Abandona-se o
pressuposto de que o objetivo seja estabelecido, fixo e irremovível. Exige-se
uma aprendizagem no fazer, um aprender rápido bem como uma capacidade de
esquecer o que já se aprendeu e tornou se obsoleto.
“Todas as informações obtidas “envelhecem” rapidamente e
ao invés de fornecerem um guia confiável podem desviar do caminho se não forem
prontamente ignoradas. Aquilo que os “cérebros” dos mísseis inteligentes não
devem nunca esquecer é que o conhecimento adquirido é eminentemente eliminável,
somente eficaz até uma nova ordem e útil apenas temporariamente, e que a
demonstração do sucesso está em não deixar escapar o momento em que o
conhecimento adquirido não é mais útil e deve ser eliminado, esquecido e
substituído.” (Zygmunt Bauman Cadernos de Pesquisa, v. 39, n.
137, maio/ago. 2009)
Para Baumann, a filosofia da
educação da era sólida moderna considerava os professores como lançadores dos
mísseis balísticos e os instruíam sobre como se assegurar que seus produtos seguissem
rigorosamente na rota preestabelecida, determinada desde o início pela
quantidade de movimentos do lançamento. O advento dos tempos líquido-modernos faz
com que o saber sólido-moderno perca seu valor pragmático fazendo com que
currículos, conteúdos, políticas educacionais, professores e gestores desloquem
sua atenção dos conteúdos e estratégias fixas, duráveis com objetivos/alvos
predefinidos para a lógica da aprendizagem – o aprender fazendo numa trajetória
e com objetivos que se constroem durante o caminho.
Baumann constata que atualmente
o conhecimento precisa ser renovado e as
profissões precisam ser flexíveis para atender demandas de uma realidade na
qual a única permanência é a impermanência de todas as coisas. Entretanto,
Baumann ao reconhecer a necessidade da educação permanente critica ao mesmo
tempo aqueles que reduzem o horizonte de uma aprendizagem permanente ao seu papel
de “promoção de uma força de trabalho qualificada, formada e adaptável”.
Em tempos de hegemonia do discurso neoliberal, que
sustenta a chamada ditadura do pensamento único, a noção de aprendizagem
autogestionada, o “aprender fazendo” sem mediação de um mestre se presta a um
discurso que permite ou justifica a omissão do Estado na responsabilidade de
fornecer a educação de qualidade, quando não é usada por professores mal
preparados que pretendem conferir um pseudo protagonismo aos alunos.
É preciso que a educação,
universidades, escolas e políticas educacionais devolvam o poder aos cidadãos
sem a mediação de dispositivos (mídias, partidos, entidades de classe) que nos
impedem de fazer escolhas e de agir eficazmente com autonomia e
responsabilidade. Temos que construir e reconstruir vínculos interpessoais, a
capacidade de empenhar-se continuamente junto com os outros por uma causa ou
ideal maior que nossos próprios interesses que permita o desenvolvimento das
potencialidades dos diversos sujeitos e o desfrute adequado das suas
capacidades.
Com Baumann, um dos mais importantes desafios da educação
permanente para a “outorga de poderes”
está ligado à reconstrução do espaço público hoje cada vez mais desabitado,
onde homens e mulheres possam empenhar-se em uma realização contínua dos
interesses, dos direitos e dos deveres individuais e comunitários, privados e
públicos. Em um país dilacerado pelas injustiças sociais, pela corrupção
crônica que nos torna todos cúmplice de uma classe política que nunca pensa no
bem comum, é importante exercitar nossa capacidade de interação com os outros: o diálogo, a
negociação, a gestão e a resolução dos conflitos na busca de consensos mínimos
parece ser a única alternativa para uma sociedade cada vez mais dividida.