Pastores , professores,
políticos, patrões e empregados, pais e mães, todos são cúmplices dessa
letargia e alienação que se abate sobre nosso povo que perdeu a capacidade de
se indignar e dizer não. Um povo ao qual foi roubado não apenas o direito de
falar e pensar, mas de sobreviver dignamente como pessoa humana. Concordo com o saudoso Betinho quando disse: "Nós nos acostumamos de forma perigosa
a conviver com a pobreza e a miséria. Para conviver com isso, ou cada um assume
uma cota de cinismo ou cria um estado de consciência, um estado de mudança ou
indignação".
Quando li Nietzsche pela primeira vez, disse a mim mesmo – eis um homem
que definitivamente escreve com carne e sangue, enfim, que se consume em cada
um de seus escritos. Sob os golpes de sua filosofia a marteladas, procurei o
caminho tortuoso da filosofia onde muitos se perderam...O próprio Nietzsche
reconhecia que seus escritos era uma escola de suspeita, mais também uma escola
de coragem e até mesmo de temeridade - Nietzsche ensina-nos o amor fati - uma
vontade que quer com alegria, uma vontade trágica que afirma a vida na pura
pluralidade do devir. A Vida vale por si mesma. A decadência de nossa época
estaria justamente ali, onde se afirma a virtude, a felicidade, o bem, o Belo,
a verdade, a justiça, a igualdade, a caridade, a piedade, etc. Nietzsche
demonstra que por trás dos valores superiores da humanidade impera uma vontade
de fraqueza e forças reativas. E para além dos escombros da moral, da religião
e da metafísica, o filósofo anuncia que vê a chegada de um novo tempo, de um
novo homem, de uma nova maneira de sentir, pensar e querer... Da ansiedade da
espera pelo além-homem, Nietzsche cria para si os Espíritos Livres . Falsidade,
delírio de uma mente já doentia. Nietzsche responderia - "De quanta
falsidade ainda preciso para me dar o luxo de minha veracidade..? Falando de si
mesmo em Ecce Homo, obra em que, para
muitos, os sinais da loucura já se manifestam, Nietzsche profetiza - Na
antevisão de que dentro em breve terei
de me apresentar à humanidade como a
mais difícil exigência que jamais lhe foi feita, parece-me indispensável dizer
quem sou. No fundo se poderia sabê-lo, pois não me deixei sem testemunho. A
desproporção, porém, entre a grandeza de minha
tarefa e a pequenez de meus contemporâneos, alcançou sua expressão no
fato de que nem ouviram, nem sequer me viram... Ouçam, pois, eu sou tal e tal.
Não me confundam, sobretudo....
A última coisa que me proporia seria
melhorar a humanidade. Por mim, não são erigidos novos ídolos; Derrubar ídolos, isto sim, já faz parte de meu ofício.
Privou-se a realidade de seu valor, de seu sentido, de sua veracidade, no mesmo
grau em que se mentiu um mundo ideal... o mundo-verdade que se opõe ao mundo
aparente... A Mentira do ideal foi até agora a maldição sobre a realidade, com
ela a humanidade mesma se tornou,
até em seus mais profundos instintos, mentirosa e falsa... Quem sabe
respirar o ar de meus escritos sabe que
é um ar de altitude, um ar forte. É preciso ser feito para ele... O gelo está
perto, a solidão é descomunal - mas com que traquilidade estão
postas todas as coisas à luz! Com que
liberdade se respira! quando se sente
abaixo de si!.. Filosofia, tal
como até agora a entendi e vivi, é a
vida voluntária em gelo e altas montanhas - a procura por tudo que é
estrangeiro e problemático na existência, por tudo aquilo que até agora foi
exilado pela moral... Aqui não fala nenhum profeta, nenhum daqueles arrepiantes
híbridos de doença e vontade de potência que são chamados fundadores de
religiões. É preciso mais que tudo saber ouvir corretamente o tom que vem dessa
boca... As palavras mais quietas são as que trazem a tempestade, Aqui não fala nenhum fanático,
aqui não se prega, aqui não se exige crença: de uma infinita plenitude de luz e profundeza de felicidade
cai gota por gota, palavra por palavra -
uma delicada lentidão é a cadência desse falar. Algo assim só chega aos mais seletos...Nietzsche, o grande sedutor? O Sábio? o Mestre? o Guru? o Santo? o
Louco? Ouçamos o nos aconselha Zaratrustra:
"Sozinho vou agora, meus discípulos! Também vós ide embora, e
sozinhos! Assim quero eu... Afastai-vos de mim, defendei-vos de mim! E, melhor ainda, envergonhai-vos de mim !
Talvez vos tenha enganado.Paga-se se mal a um mestre, quando se continua sempre a ser apenas o aluno. Vois me
venerais, mas, e se um dia sua veneração
desmoronar? Guardai-vos para que não vos esmague uma estátua...Sois meus
crentes, mas que importa toda crença.!
Ainda não vos
havíeis procurado, então me encontrastes.Assim fazem todos os crentes. Agora
vos mando me perderdes e vos encontrardes, e somente quando me tiverdes todos
renegado, eu retornarei a vós...Com outros olhos eu procurarei os meus perdidos....
Com um outro
amor, eu vos amarei então...Quem tem ouvidos, que ouça... [Nietzsche, Assim
Falou Zaratustra.]
Nenhum comentário:
Postar um comentário