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Goiania, Brazil
Um homem simplesmente aí, jogado no rio do devir a procura de si mesmo. Um campo de batalha... uma corda sobre o abismo, um ser no mundo corroido pela angustia da certerza da própria morte, mas que faz dessa consciencia da finitude um motivo para se responsabilizar mais por cada uma de suas escolhas.http://lattes.cnpq.br/9298867655795257

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

NÃO AO PROCESSO DE BESTIALIZAÇAO DA MÍDIA, VIVA O PENSAR



Certamente as estações de TVs já receberam inúmeros telefonemas, emails e cartas de pessoas indignadas com a mediocridade, futilidade e banalidade daqueles que se consideram artistas e que têm espaço na mídia brasileira. Como se não bastasse a mediocridade e mesquinhez daqueles que são responsáveis pela programação dos diversos canais da televisão brasileira, nossos pobres artistas não se cansam de oferecer espetáculos patéticos da fraqueza humana. Será que esses  programas vespertinos não tem nada melhor  para mostrar ou noticiar do que a vida fútil e moralmente indecente desses “famosos” fabricados do dia para noite... São realmente artistas esses famosos? Por que vcs não se preocupam em mostrar a verdadeira cara desse Brasil? Existe gente que faz e pesquisa, enfim, pessoas que realmente fazem uma nação  ser grande e que é totalmente avessa a essa vida mundana de prazeres efêmeros dessas celebridades de mentira. Não quero impor normas, ou disseminar uma doutrina moralista. Como disse o grande Nietzsche – por mim não são inventados novos ídolos. Já é mais que tempo de assumirmos certas verdades que hoje assumem a força de fatos consumados – Parem de alimentar a turba ignara com notícias sobre a vida fútil dessa gente estúpida que se diz artista. Nosso povo precisa ser educado de outra forma... A maioria dos programas de televisão, as novelas, deseducam nosso povo... É realmente uma pena que pessoas até talentosas estejam  a serviço da bestialização de um povo já por demais miserável de corpo e alma.
Ouso mesmo dizer que um povo que passa pela dor e pelo sofrimento que agora se abate sobre o povo iraquiano se tornará muito mais forte e unido enquanto nação do que um povo, como o brasileiro, cuja história está repleta de côncavos, acordos espúrios e  traições dos interesses populares... Nossa classe política, me faz preferir mil vezes um regime como o de Sadan Hussen. Prefiro uma tirania sanguinária que aguça nossa vontade de defendê-la ou combatê-la, do que uma pseudo-democracia legitimada pelo voto de uma massa estúpida e ignara que nos entorpece com um sentimento de impotência diante das autoridades constituídas e do próprio crime.
O fato é  que hoje a burrice, a futilidade, a vaidade tacanha, o falatório que asfixia todo pensar, ocupa muito espaço na televisão brasileira...Não importa se isso dá Ibope... Temos que reeducar essa massa ignara quantificada pelo Ibope para  que passem a exigem mais pensamento, mais debate, mais discussão, enfim, mais filosofia na televisão brasileira...
Não podemos sufocar o pensamento e o cantar do poeta nessa publicidade de um mundo onde todos parecem querer Ter seu minuto de fama, ainda que seja oferecendo um espetáculo patético para milhões de pessoas.
Por favor, parem de bestializar o pobre e carente povo brasileiro com esses programas e novelas alienantes, que só nos tornam mais fracos diante da dificuldade de nossa missão – elevar nosso país de sua crônica miséria material e espiritual à estatura de uma verdadeira nação capaz de assumir seu verdadeiro destino histórico. Por paradoxal que possa parecer, justamente agora, quando um metalúrgico assume a presidência da República, parece  ter chegado a hora de um choque cultural nessa pobre sociedade brasileira  dilacerada pelos interesses corporativistas e aviltada e vilipendiada por políticos, pastores e religiões inescrupulosas...

Mas chegará  o dia em que as novelinhas ridículas serão substituídas por  banquetes filosóficos... mais arte, poesia e pensamento senhores... Estamos ficando sem oxigênio nessa atmosfera propicia aos répteis...Tenham vergonha na cara, tenham a coragem de mostrar a verdadeira cara desse país, que certamente nada tem a ver com os rostos siliconados dessas fantoches disfarçados de artistas....Com a palavra a filosofia:

“ Oh, povo miserável, filhos do acaso e da dor, é culpa minha se em vosso meio tenho de me esconder e andar como uma cigana nas ruas e nas feiras. Vede minha irmã, a arte, ela está como eu. Caímos entre bárbaros. Aqui nos falta justa causa... Tendes antes uma civilização, e então sabereis o que a filosofia quer e pode.” (Nietzsche. A Filosofia na época trágica dos gregos).

Sobre manifestações de Junho - 2013

A Classe média, refém do próprio medo, e a mídia venal não compreendem que não se muda um país governado por canalhas, de instituições viciadas, com passeatas “pacíficas” e demandas difusas de grupos e pessoas bem intencionadas e preocupadas com o futuro da nação. E agora os alienados políticos e  as ratazanas da politica apoiam uma fanática religiosa travestida de política e apoiada por banqueiros e agronegócio. Fora toda forma de fundamentalismo. Fora o obscurantismo da política.
Muitos dos manifestantes chamados de “vândalos” apenas respondem a agressão recebida por uma Policia q mata e tortura. A policia que reprime manifestações e a mesma que  mata nas favelas e periferias.
Muitos dos manifestantes não percebem que com seu discurso de “paz social” e manutenção da ordem apenas legitimam a canalha no poder e as elites desse Estado policial. Esse clamor por paz social e respeito a ordem pública andam juntos com criminalização e enquadramento de jovens que ousam confrontar a força policial e atacam bancos e outros prédios públicos.
”A ânsia de destruir é também uma ânsia de criar.” Bakunin.
Enquanto nossas elites, a classe média amedrontada e acuada em seus condomínios  e a mídia venal denunciam e julgam como vândalos jovens mascarados, renasce em mim a esperança na juventude...nem todos são ovelhas. Nem tudo está perdido. Repito, ninguém muda um país, com poderes corrompidos apenas com passeatas pacificas...ordeiras. Isso só interessa à canalha no poder.
Por que esse medo de sair da banalidade da existência cotidiana sufocada no impessoal? Por que essa necessidade de criminalizar e marginalizar jovens que gritam e expressam uma revolta que também é nossa, os civilizados domesticados. Esses ataques à  prédios públicos, agências bancárias, butiques, concessionárias de Carros trazem um sentido, um significado que que vai além da mera violência juvenil de jovens mascarados.
Basta dessa pasmaceira, desse medo, de lamúrias,  ressentimentos e invejas. A realidade está nos  atropelando juntamente com nossas convicções e referenciais teóricos. E sinceramente não creio mais em mudança pela via institucional, torna-se cada vez mais um imperativo quebrar os contratos, subverter as leis e des-construir as instituições, seus discursos articulados com determinada noção de verdade e com o poder. Não precisamos de guias, gurus, modelos teóricos e métodos consagrados que prometem reconciliam aqui ou no além a dilacerações próprias da existência humana.
Os partidos, os três poderes e as instituições ditas democráticas estão viciadas e infestadas de ratazanas. E não me venham falara nas exceções e que fazemos parte dela. Isso de nada vale. Nossos palácios, parlamentos, igrejas e escolas estão repletas de homens de segunda mão, filisteus da cultura (Nietzsche), profetas de cátedra (Weber) iluminados, que ainda acreditam na formação humana enquanto construção de uma comunidade de amigos forjada na leitura dos grandes clássicos.
Por que não repensar a questão da formação humana em um contexto de crise dos humanismos (marxismos, cristianismo, existencialismo) no qual surge novos paradigmas nas ciências (não mais ordem a partir da ordem, mas ordem a partir do caos, do ruído) gerados por novos agenciamentos na própria estrutura dos saberes.
Parafraseando Marx (em sua 11ª tese sobre Feuerbach) e sem querer incentivar o ativismo estéril, eu repito: Os Pensadores, intelectuais se contentaram em interpretar o mundo de diferentes maneiras, cabe agora transformá-lo.
Primeiro se jogue no abismo, depois pense em inventar asas...



segunda-feira, 27 de janeiro de 2014



Deus não morreu. Ele tornou-se Dinheiro".
Entrevista com Giorgio Agamben

"O capitalismo é uma religião, e a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua. Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro" -Giorgio Agamben,
Segundo ele, "a nova ordem do poder mundial funda-se sobre um modelo de governamentalidade que se define como democrática, mas que nada tem a ver com o que este termo significava em Atenas". Assim, "a tarefa que nos espera consiste em pensar integralmente, de cabo a cabo,  aquilo que até agora havíamos definido com a expressão, de resto pouco clara em si mesma, “vida política”, afima Agamben.
A tradução é de Selvino  J. Assmann, professor de Filosofia do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
Eis a entrevista.
O governo Monti invoca a crise e o estado de necessidade, e parece ser a única saída tanto da catástrofe  financeira quanto das formas indecentes que o poder havia assumido na Itália. A convocação de Monti era a única saída, ou poderia, pelo contrário, servir de pretexto para impor uma séria limitação às liberdades democráticas?

“Crise” e “economia” atualmente não são usadas como conceitos, mas como palavras de ordem, que servem para impor e para fazer com que se aceitem medidas e restrições que as pessoas não têm motivo algum para aceitar. ”Crise” hoje em dia significa simplesmente “você deve obedecer!”. Creio que seja evidente para todos que a chamada “crise” já dura decênios e nada mais é senão o modo normal como funciona o capitalismo em nosso tempo. E se trata de um funcionamento que nada tem de racional.
Para entendermos o que está acontecendo, é preciso tomar ao pé da letra a idéia de Walter Benjamin, segundo o qual o capitalismo é, realmente, uma religião, e a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua. Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro.  Deus não morreu, ele se tornou Dinheiro.  O Banco – com os seus cinzentos funcionários e especialistas - assumiu  o lugar da Igreja e dos seus padres e, governando o crédito (até mesmo o crédito dos Estados, que docilmente abdicaram de sua soberania ), manipula e gere a fé – a escassa, incerta confiança – que o nosso tempo ainda traz consigo. Além disso, o fato de o capitalismo ser hoje uma religião, nada o mostra melhor do que o titulo de um grande jornal nacional (italiano) de alguns dias atrás: “salvar o euro a qualquer preço”. Isso mesmo, “salvar” é um termo religioso, mas o que significa “a qualquer preço”? Até ao preço de “sacrificar” vidas humanas? Só numa perspectiva religiosa (ou melhor, pseudo-religiosa) podem ser feitas afirmações tão evidentemente absurdas e desumanas.
A crise econômica que ameaça levar consigo parte dos Estados europeus pode ser vista como condição de crise de toda a modernidade?
A crise atravessada pela Europa não é apenas um problema econômico, como se gostaria que fosse vista, mas é antes de mais nada uma crise da relação com o passado. O conhecimento do passado é o único caminho de acesso ao presente. É procurando compreender o presente que os seres humanos – pelo menos nós, europeus – são obrigados a interrogar o passado.  Eu disse “nós, europeus”, pois me parece que, se admitirmos que a palavra “Europa” tenha um sentido,  ele, como hoje aparece  como evidente, não pode ser nem político, nem religioso e menos ainda econômico,  mas talvez consista nisso, no fato de que  o homem europeu – à diferença, por exemplo, dos asiáticos e dos americanos, para quem a história  e o passado tem um significado completamente diferente – pode ter acesso à sua verdade unicamente através de um confronto com o passado, unicamente fazendo as contas com a sua história.
O passado não é, pois, apenas um patrimônio de bens e de tradições, de memórias e de saberes, mas também e sobretudo um componente antropológico essencial do homem europeu, que só pode ter acesso ao presente olhando, de cada vez, para o que ele foi.  Daí nasce a relação especial que os países europeus (a Itália, ou melhor, a Sicília, sob este ponto de vista é exemplar)  têm com relação às suas cidades, às suas obras de arte, à sua paisagem: não se trata de conservar bens mais ou menos preciosos, entretanto exteriores e disponíveis; trata-se, isso sim,  da própria realidade da Europa, da sua indisponível sobrevivência. Neste sentido, ao destruírem, com o cimento, com  as autopistas e a Alta Velocidade, a paisagem italiana, os especuladores não nos privam apenas de um bem, mas destroem a nossa própria identidade. A própria expressão “bens culturais” é enganadora, pois sugere que se trata de bens entre outros bens, que podem ser desfrutados economicamente e talvez vendidos, como se fosse possível liquidar e por à venda a própria identidade.
Há muitos anos, um filósofo que também era um alto funcionário da Europa nascente, Alexandre Kojève, afirmava que o homo sapiens havia chegado  ao fim de sua história e já não tinha nada diante de si a não ser duas possibilidades: o acesso a uma animalidade pós-histórica (encarnado pela american way of life) ou o esnobismo (encarnado pelos japoneses, que continuavam a celebrar as suas cerimônias do chá, esvaziadas, porém, de qualquer significado histórico). Entre uma América do Norte integralmente re-animalizada e um Japão que só se mantém humano ao preço de renunciar a todo conteúdo histórico, a Europa poderia oferecer a alternativa de uma cultura que continua sendo humana e vital, mesmo depois do fim da história, porque é capaz de confrontar-se com a sua própria história na sua totalidade e capaz de alcançar, a partir deste confronto, uma nova vida.

A sua obra mais conhecida, Homo Sacer, pergunta pela relação entre poder político e vida nua, e evidencia as dificuldades presentes nos dois termos. Qual é o ponto de mediação possível entre os dois pólos?
Minhas investigações mostraram que o poder soberano se fundamenta, desde a sua origem, na separação entre vida nua  (a vida biológica, que, na Grécia, encontrava seu lugar na casa) e vida politicamente qualificada (que tinha seu lugar na cidade). A vida nua foi excluída da política e, ao mesmo tempo,  foi incluída e capturada através da sua exclusão. Neste sentido, a vida nua é o fundamento negativo do poder.  Tal separação atinge sua forma extrema na biopolítica moderna, na qual o cuidado e a decisão sobre a vida nua se tornam aquilo que está em jogo na política.  O que aconteceu nos estados totalitários do século XX reside no fato de que é o poder (também na forma  da ciência) que decide, em última análise, sobre o que é uma vida humana e sobre o que ela não é. Contra isso, se trata de pensar numa política das formas de vida, a saber, de uma vida que nunca seja separável da sua forma, que jamais seja vida nua.

O mal-estar, para usar um eufemismo, com que  o ser humano comum se põe frente  ao mundo da política tem a ver especificamente com a  condição italiana ou é de algum modo inevitável? 

Acredito que atualmente estamos frente a um fenômeno novo que vai além do desencanto e da desconfiança recíproca entre os cidadãos e o poder e tem a ver com o planeta inteiro. O que está acontecendo é uma transformação radical das categorias com que estávamos acostumados a pensar a política. A nova ordem do poder mundial funda-se sobre um modelo de governamentalidade que se define como democrática, mas que nada tem a ver com o que este termo significava em Atenas. E que este modelo seja, do ponto de vista do poder, mais  econômico e funcional é provado pelo fato de que foi adotado também por aqueles regimes que até poucos anos atrás eram ditaduras.
É mais simples manipular a opinião das pessoas através da mídia e da televisão do que dever impor em cada oportunidade as próprias decisões com a violência.  As formas da política por nós conhecidas – o Estado nacional, a soberania, a participação democrática, os partidos políticos, o direito internacional – já chegaram ao fim da sua história. Elas continuam vivas como formas vazias, mas a política tem hoje a forma de uma “economia”, a saber, de um governo das coisas e dos seres humanos. A tarefa que nos espera consiste, portanto, em pensar integralmente, de cabo a cabo,  aquilo que até agora havíamos definido com a expressão, de resto pouco clara em si mesma, “vida política”.

O estado de exceção, que o senhor vinculou ao conceito de soberania, hoje em dia parece assumir o caráter de normalidade, mas os cidadãos ficam perdidos perante a incerteza na qual vivem cotidianamente. É possível atenuar esta sensação?

Vivemos há decênios num estado de exceção que se tornou regra, exatamente assim como acontece na economia  em que a crise se tornou a condição normal. O estado de exceção – que deveria sempre ser limitado no tempo – é, pelo contrário, o modelo normal de governo, e isso precisamente nos estados que se dizem democráticos.  Poucos  sabem que as normas introduzidas, em matéria de segurança, depois do 11 de setembro (na Itália já se havia começado a partir dos anos de chumbo) são piores do que aquelas que vigoravam sob o fascismo. E os crimes contra a humanidade cometidos durante o nazismo foram possibilitados exatamente pelo fato de Hitler, logo depois que assumiu o poder, ter proclamado um estado de exceção que nunca foi revogado. E certamente ele não dispunha das possibilidades de controle (dados biométricos, videocâmaras, celulares, cartões de crédito) próprias dos estados contemporâneos. Poder-se-ia afirmar hoje que o Estado considera todo cidadão um terrorista virtual. Isso não pode senão piorar e tornar impossível  aquela participação na política que deveria definir a democracia. Uma cidade cujas praças e cujas estradas são controladas por videocâmaras não é mais um lugar público: é uma prisão.

A  grande autoridade que muitos atribuem a estudiosos que, como o senhor, investigam a natureza do poder político poderá trazer-nos esperanças de que, dizendo-o de forma banal,  o futuro será melhor do que o presente?

Otimismo e pessimismo não são categorias úteis para pensar. Como escrevia Marx em carta a Ruge: ”a situação desesperada da época em que vivo me enche de esperança”.

Podemos fazer-lhe uma pergunta sobre a lectio que o senhor deu em Scicli? Houve quem lesse a conclusão que se refere a Piero Guccione como se fosse uma homenagem devida a uma amizade enraizada no tempo, enquanto outros viram nela uma indicação  de como sair do xequemate no qual a arte contemporânea está envolvida.

Trata-se de uma homenagem a Piero Guccione e a Scicli, pequena cidade em que moram alguns dos mais importantes pintores vivos. A situação da arte hoje em dia é talvez o lugar exemplar para compreendermos a crise na relação com o passado, de que acabamos de falar. O único lugar em que o passado pode viver é o presente, e se o presente não sente mais o próprio passado como vivo, o museu e a arte, que daquele passado é a figura eminente, se tornam lugares problemáticos. Em uma sociedade  que já não sabe o que fazer do seu passado, a arte se encontra premida entre a Cila do museu e a Caribdis da mercadorização. E muitas vezes, como acontece nos templos do absurdo que são os museus de arte contemporânea,  as duas coisas coincidem.
Duchamp talvez tenha sido o primeiro a dar-se conta do beco sem saída em que a arte se meteu. O que faz Duchamp quando inventa o ready-made?  Ele toma um objeto de uso qualquer, por exemplo, um vaso sanitário, e, introduzindo-o num museu, o força a apresentar-se como obra de arte.  Naturalmente - a não ser o breve instante que dura o efeito do estranhamento e da surpresa – na realidade nada alcança  aqui a presença: nem a obra, pois se trata de um  objeto de uso qualquer, produzido industrialmente, nem a operação artística, porque não há de forma alguma uma poiesis, produção – e nem sequer o artista, porque aquele que assina com um irônico nome falso o vaso sanitário não age como artista, mas, se muito, como filósofo ou crítico, ou, conforme gostava de dizer Duchamp, como “alguém que respira”, um simples ser vivo.
Em todo caso, certamente ele não queria produzir uma obra de arte, mas desobstruir o caminhar da arte, fechada entre o museu e a mercadorização.  Vocês sabem: o que de fato aconteceu é que um conluio,  infelizmente ainda ativo, de hábeis especuladores e de “vivos” transformou o ready-made em obra de arte. E a chamada arte contemporânea nada mais faz do que repetir o gesto de Duchamp, enchendo com  não-obras e performances a museus, que são meros organismos do mercado, destinados a acelerar a circulação de mercadorias, que, assim como o dinheiro, já alcançaram o estado de liquidez e querem ainda valer como obras. Esta é a contradição da arte contemporânea: abolir a obra e ao mesmo tempo estipular seu preço.