Por
Selvino Heck)
Publicado
em agosto 26, 2017 por Luiz
Müller
A pergunta de Lenin em 1902, que
serviu como título de seu livro mais famoso e importante, pode ser feita de
novo hoje, 2017. Com este desafio, Frei Betto abriu o Retiro do Movimento
Nacional Fé e Política, realizado de 18 a 20 de agosto no Seminário da
Floresta, MG, com 50 lideranças de movimentos sociais, pastorais e CEBs, parlamentares
e ex-parlamentares, detentores de mandatos públicos, com o tema geral
‘Espiritualidade Política’.
O clima
geral dos participantes era de dúvidas, interrogações, alguma perplexidade,
inquietações, sentido de esperança ante o momento que o Brasil, a América
Latina e o mundo atravessam, uns mais em crise, outros menos, seja no campo
pessoal, seja no campo político-econômico-social, no cotidiano da vida e da
sociedade, preocupação com o futuro, com as saídas e alternativas. Um novo
mundo ainda é possível? Onde acertamos, o que deu errado ou o que fizemos de
errado, onde pendurar a nossa esperança, foram perguntas do primeiro trabalho
de grupo.
Pedro
Ribeiro de Oliveira, da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política, situou
a conjuntura em três níveis.
Primeiro
nível: Desde o início do capitalismo, há pouco mais de 200 anos, quando o
capital não está dando lucro e há uma crise, acontece a destruição criativa
e/ou uma guerra. Estamos em tempos de financeirização do capital– os bancos
mandam no mundo – e advento rápido de novas tecnologias. Hoje, há uma
passagem do Pólo Nova Iorque, EUA, para Pequim, China, e pode estar-se
aproximando uma terceira guerra mundial, em capítulos.
Segundo
nível: Há um golpe em andamento. O Brasil vinha olhando os pobres e tendo
políticas sociais. O Brasil vinha tentando certa autonomia frente às grandes
potências, e o conseguiu. “Sofremos uma guerra e perdemos, com todas as suas
consequências. As grandes corporações dos EUA, que mandam no mundo, ganharam a
guerra.”
Terceiro
nível: É o mais profundo e amplo. O capitalismo só existe crescendo e
consumindo. O planeta não cresce. Estamos devastando a vida do planeta.
Sintomas disso: a extinção progressiva e cada vez mais rápida da espécie; o
aquecimento global: 1 grau em 2014, completando 3 anos de aquecimento global.
“É preciso tomar consciência e falar da catástrofe que não se sabe quando vai
chegar. Há um cheiro de véspera de primeira guerra mundial. Quando isso
acontece, a saída é voltar-se para a aldeia, a comunidade local, para enfrentar
os resultados e consequências da guerra e sobreviver.”
Jesus
começa sua oração com Pai nosso, não Pai meu, e depois pede o pão nosso, não o
pão meu, diz Frei Betto. Jesus, na sua vida e pregação, teve duas
atitudes. Na relação pessoal, amor e compaixão, com todas e todos: Jesus falou
com a samaritana, que era proibida de falar com os judeus, ainda mais sendo
mulher. Amor até pelos inimigos, para que mudem de ideias e práticas. Compaixão
sempre com os mais pobres, os oprimidos, os desprezados. Na relação social: a
partilha de bens, repartir os bens. Assim como aconteceu na multiplicação de
pães e peixes: nada de comprar alimentos; repartir, partilhar o que cada um da
multidão tinha.
Com esta
mensagem e prática, Jesus só podia tornar-se alguém perigoso para o poder
estabelecido, político e religioso. Assim como o Papa Francisco – o maior líder
da atualidade em plano mundial, segundo Frei Betto -, do qual foram lidas,
refletidas e debatidas as falas aos participantes do segundo e terceiro Encontro
Mundial dos Movimentos Populares chamados pelo Papa. E a pergunta para os
grupos de trabalho: Quais são os desafios para a ação?
Disse o
Papa Francisco em novembro de 2016 aos participantes do terceiro Encontro
Mundial dos Movimentos Populares: “No nosso último encontro, na Bolívia, com a
maioria de latino-americanos, pudemos falar da necessidade de uma mudança para
que a vida seja digna, uma transformação de estruturas: além disso, do modo
como vós, movimentos populares, sois semeadores de mudança, promotores de um
processo para o qual convergem milhões de pequenas e grandes ações interligadas
de modo criativo, como numa poesia; foi por isso que vos quis chamar ‘poetas
sociais’; e também pudemos enumerar algumas tarefas imprescindíveis para caminhar
rumo a uma alternativa humana diante da globalização da indiferença: 1. Pôr a
economia a serviço dos povos; 2. Construir a paz e a justiça; 3. Defender a Mãe
Terra.”
Disse
mais o Papa Francisco aos movimentos populares: “Então quem governa? O
dinheiro. Como governa? Com o chicote do medo, da desigualdade, da violência
financeira, social, cultural e militar que gera cada vez mais violência. Quanta
dor e quanto medo! Os 3 ‘t’- teto, trabalho e terra -, o vosso grito que faço
meu, têm algo daquela inteligência humilde, mas ao mesmo tempo vigorosa e
purificadora. Um projeto-ponte dos povos diante do projeto-muro do dinheiro. Um
programa que visa ao desenvolvimento humano integral. Este é o desenvolvimento
do qual nós temos necessidade: humano, integral, respeitador da Criação, desta
Casa Comum.”
Que
fazer, perguntou Lenin em 1902. Que fazer, perguntou Frei Betto em 2017. Que
fazer, perguntaram-se todas e todos os participantes do Retiro.
Há muito
o que fazer. Por exemplo: em primeiro lugar, manter a esperança; acender e
reacender a utopia; revalorizar as relações; voltar a ‘costurar’ as
organizações e práticas de base, fazendo as coisas com eles, e não por eles ou
em nome deles; ser menos instituição e mais movimento; passar pela revolução
democrática, como diziam Florestan Fernandes e Antônio Cândido; retornar às
bases; trabalhar com a juventude, cultivando a esperança; articular o
muito que acontece na base popular, à luz de uma política com novos
instrumentos políticos: ou os que estão aí, revigorados, ou construir novos, e
uma nova utopia, que levem a uma nova síntese.
Frei
Betto ainda apontou outros caminhos e urgências: voltar a discutir método,
objetivos, prioridade e estratégia; formar cidadãos, porque o capitalismo só
quer contribuintes; enfrentar o mercantilismo presente em todos os aspectos da
vida humana, alimentando a espiritualidade; organizar a esperança: a
ecologia é um dos caminhos, porque sensibiliza todas as camadas sociais.
Não se
resolveram todos os problemas do Brasil e do mundo no Retiro. Mas certamente
acenderam-se muitas luzes e alimentou-se a esperança. Como diz Frei Betto:
“Quanto mais fé você tem, mais coragem”.
Selvino
Heck
Deputado
estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990)
Membro da
Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política
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